BIKE is a psychedelic rock band from São Paulo. On the road since 2015, the group has released 4 albums: 1943 (2015), Em Busca da Viagem Eterna (2017), Their Shamanic Majesties Third Request  (2018) and Quarto Templo (2019). They caught the attention of the public and specialized critics with a single on the 30th Century Records Compilation, Vol. 1, from the renowned North American producer Danger Mouse.

There are more than 400 shows in 16 Brazilian states, between underground stages and festivals, sharing stages with Os Mutantes and The Black Angels and 3 tours across Europe, passing through Portugal, Germany, France, Italy, Belgium, Wales and Scotland, with emphasis on performances at Primavera Sound 2017 in Spain, Festival Nox Orae 2018 in Switzerland and The Great Escape 2019 in England.

BIKE - Arte Bruta

 

No primeiro disco após a pausa pandêmica, o grupo paulista atinge a maturidade e abraça uma sonoridade mais abrasileirada, conduzida pelo produtor e guitarrista Guilherme Held.

Uma guitarra entoa uma escala melódica acompanhada por uma bateria, que quebra os pratos marcando o tempo à medida em que a frase musical vai se alongando - mas a lógica natural desta sentença é alterada pela velocidade, que torna tanto timbre, tempo e andamento primeiro mais rápido e depois bem mais devagar. A vinheta “Arcoverde”, com menos de um minuto de duração, já anuncia a distorção de realidade do quinto disco da banda paulista BIKE, Arte Bruta, praticamente fruto de um processo de autoanálise que acompanhou o grupo durante o período pandêmico. E de forma sucinta marca este que é o salto mais ousado da carreira fonográfica do grupo de São José dos Campos.

 

Arte Bruta, como a maioria dos discos da banda, começou pelo título e pela ideia megalomaníaca de lançar um álbum com apenas duas músicas extensas, cada uma delas ocupando um dos lados da versão em vinil do disco. O próprio título de alguma forma sintetizava tal salto, visto que o termo - também dividido em duas partes - também propõe o choque entre a sofisticação artística e a aspereza da brutalidade. Visto por muitos como um movimento artístico, especialmente por sua nomenclatura em francês, "art brut", o termo designa criadores que não têm a consciência de que sua criação pode ser encarada como arte.

 

O quinto disco do quarteto paulista formado por Julito Cavalcante (voz e guitarra), Diego Xavier (voz e guitarra), João Gôuvea (baixo) e Daniel Fumega (bateria) obviamente tem essa consciência. Mas o que expandiu-se no decorrer da concepção deste novo álbum foi o tempo de sua criação. Como todos, o grupo foi atropelado pela quarentena do início de 2020, justamente quando estavam divulgando seu disco mais recente, Quarto Templo, lançado no ano anterior. O primeiro ano pandêmico trazia a expectativa de mais uma turnê internacional, inevitavelmente abandonada, e a reclusão do período tirou os shows do grupo de circulação, inclusive da internet.

 

Avessa à febre de lives do início da pandemia (o grupo só fez uma), a Bike preferiu se aprofundar na concepção do novo disco e reeditar sua discografia inteira em vinil, enquanto esperava o momento certo para voltar aos palcos. Esse reencontro com os discos anteriores fez com que o grupo também voltasse a tocá-los e gravou uma série de shows tocando todos os discos na íntegra em 2021. Foi quando o novo disco começou a tornar-se mais sólido e o grupo procurou alguém que pudesse ajudá-lo a materializá-lo.

 

Não foi a primeira vez que alguém de fora participou da gravação de um disco da BIKE - Quarto Templo foi produzido por Renato Cohen e Apollo 9 em uma parceria com a banda -, mas desta o grupo estava disposto a encontrar alguém que pudesse também participar do processo criativo. E encontrou no guitarrista Guilherme Held, discípulo de Lanny Gordin e que já tocou com boa parte da cena brasileira contemporânea, um parceiro ideal para ajudá-los a dar este novo passo. Ter a assistência de Held neste período também ajudou a banda a mergulhar em novos oceanos musicais e pela primeira vez a Bike abraça uma musicalidade brasileira.

 

Os vales e horizontes psicodélicos característicos da banda ainda estão lá, mas há referências musicais e líricas que transcendem as referências lisérgicas dos discos anteriores. E não são apenas os detalhes, como a estrutura de “Santa Cabeça” ser descendente da tropicalista “Batmacumba”, o suíngue percussivo de “Cedro” ou o andamento de “Além-Ambiente” ser um desdobramento da primeira parte de “Fuga N° II” dos Mutantes. Há um filtro afrobrasileiro que atravessa Arte Bruta que, com a entrada de Held no processo criativo, perdeu sua característica inicial de duas enormes canções para se transmutar em treze faixas - algumas delas com poucos minutos - que atestam a maturidade da banda.

 

Como nas referências brasileiras, é possível também pinçar os ecos de rock internacional na sonoridade do disco. Há a inevitável presença do rock psicodélico dos anos 60, do tropicalismo e do pós-tropicalismo do início dos anos 70, mas o rock progressivo alemão deste mesmo período torna-se cada vez mais evidente. E a estrutura rítmica do krautrock funciona como apoio para as inúmeras percussões que atravessam o disco e este novo tempero desequilibra e coloca este álbum em outro patamar na carreira da banda.

 

Cada vez mais a BIKE soa como uma coisa só. seja no entrelaçamento instrumental entre os versos de "Além-Ambiente", na lisergia motorizada de "Santa Cabeça", na maré musical que flui em "Cedro", na serenidade de "Que Vai da Terra ao Céu", no crescendo lento de "Além-Céu", no andamento tenso de "Filha do Vento", no ritmo sincopado do primeiro single "O Torto Santo", na base reta de "Clara-Luz" e por todo o resto do disco, até nas vinhetas.  A concisão harmônica, rítmica e melódica do grupo é fruto não apenas de quase uma década em atividade, mas também deste processo vagaroso recente, que fez o grupo olhar para o passado e se ver no espelho ao mesmo tempo. Arte Bruta é o disco que a banda mais levou tempo para compor e gravar e o resultado percebe-se a cada minuto que avançamos nele.

 

Alexandre Matias (www.trabalhosujo.com.br) é jornalista, curador de música e diretor artístico.